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terça-feira, 25 de março de 2014

Porque - Sophia de Mello Breyner Andresen

PORQUE
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.

Porque os outros calculam mas tu não.
               Sophia de Mello Breyner Andresen


Este poema está inserido numa das linhas temáticas da poesia de Sophia de Mello Breyner Andersen a qual denuncia as injustiças e desigualdades sociais. 
O próprio título “Porque” reforça, através da anáfora, a ideia desenvolvida ao longo do poema. Deste modo, parece haver um diálogo entre o sujeito poético e um “tu”, que aparece no primeiro e último versos da primeira estrofe, assim como no último verso das estrofes seguintes.
O sujeito poético põe em evidência as virtudes e qualidades do outro, mostrando um verdadeiro sentimento de admiração, o que nos leva a pensar poder tratar-se de um amigo íntimo. Deste modo, verifica-se uma atitude muito contrastante em relação aos outros e à pessoa amada, nomeadamente através da conjunção adversativa “mas”.
O sujeito poético denuncia a falsidade, “Porque os outros se mascaram”, a astúcia “Porque os outros usam a virtude/Para comprar o que não tem perdão” (o sujeito poético poderá referir-se à honra, honestidade, etc.), logo é referido o receio que os outros têm em demonstrar o verdadeiro eu, ao contrário do tu. Os outros são hipócritas ao oferecerem apenas a aparência. 
Na segunda estrofe é reforçada a ideia da corrupção, nomeadamente no primeiro e segundo versos, uma vez que os túmulos caiados significam o disfarce, assim sendo simbolizam os segredos, dando uma imagem de hipocrisia, onde está mais explicita esta critica é no segundo verso da segunda estrofe. 
Deste modo verifica-se que todo o poema é de intervenção social. Enquanto os outros se disfarçam para esconder os seus defeitos e pecados, o tu confronta as pessoas com a verdade sem medo de represálias. Assim sendo o tu pode representar aquele que denuncia as injustiças sociais. 
Na terceira estrofe verifica-se novamente uma enumeração e oposição de atitudes, logo existe uma crítica ao oportunismo, “Porque os outros se compram e se vendem” e ao calculismo “ 

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